O terceiro artigo da FOLIUM Science é sobre o papel da biociência na cadeia de suprimento de alimentos e discorre sobre as características dos sistemas alimentares globais de hoje, a consequente pressão exercida sobre a saúde pública, as intervenções que foram desenvolvidas e as oportunidades para as futuras tecnologias.
Pedimos aos especialistas da FOLIUM Science que refletissem sobre o papel da biociência na cadeia de suprimento de alimentos e aproveitassem suas experiências pessoais para imaginar como seria o futuro.
O Diretor Científico da FOLIUM Science, professor Martin Woodward, descreve alguns dos desafios gerais enfrentados pela cadeia global de suprimentos alimentares.
“O primeiro fato que precisamos reconhecer é que, nos últimos 75 anos, passamos da produção local de alimentos para uma produção altamente intensificada para um mercado global. Estamos transportando alimentos ao redor do mundo a uma taxa sem precedentes, sendo grande parte para o consumo pelas economias mais ricas e desenvolvidas”
Esse crescimento na intensificação tem consequências. Animais e lavouras são criados e cultivados com grande proximidade, o que aumenta a capacidade de propagação de doenças.
“O impacto adicional desses sistemas de monocultura, onde tudo é idêntico, é que se ocorrer uma infecção, ela afetará toda a lavoura, rebanho ou criadouro. A diversidade genética é reduzida, o que pode significar a eliminação de todo um sistema de produção se ocorrer uma única infecção. Isso foi observado, por exemplo, com infecções por Xylella em culturas de frutas e Vibrio parahaemolyticus na produção de camarão em partes da América do Sul. Uma das coisas em que precisamos pensar é na diversidade genética do que estamos cultivando. O sistema clássico de seleção para o melhoramento genético e, mais recentemente, a modificação genética, são usadas para gerar lavouras e animais que mostram maior resistência natural a infecções, bem como resistência à seca nas culturas, por exemplo”.
Um dos outros resultados conhecidos da expansão dos sistemas de monocultura é o impacto no ambiente natural e na redução dos ecossistemas naturais. Martin reflete sobre como a zoonose, a transmissão de uma doença animal ao homem, pode ocorrer.
“Essa redução nos habitats naturais teve um grande impacto na maneira como as doenças passam de espécies de animais selvagens para espécies domesticadas ou cultivadas, e posteriormente para o homem. SARS, MERS, Ebola e o novo coronavírus são exemplos de vírus que encontraram novos hospedeiros em novas espécies. Então, devido a essas grandes mudanças nos ambientes naturais, o que antes estava contido na natureza agora está sendo exposto às populações humanas”.
Então, como esses riscos podem ser gerenciados e como a ciência pode enfrentar os desafios da cadeia de suprimentos de alimentos que eles representam? Martin permanece otimista de que existem sistemas que podem funcionar.
“Felizmente, existe uma infraestrutura global bem desenvolvida em torno da inteligência de segurança alimentar. Existem bons dados sobre quais doenças estão ocorrendo e onde elas estão localizadas. Logo após o conhecimento dos dados estão os diagnósticos e as análises de bioinformática que ajudam a identificar o que está ocorrendo e qual a extensão do risco. Esses sistemas foram aprimorados consideravelmente nos últimos anos, com bons níveis de colaboração internacional. Por exemplo, dados são publicados internacionalmente sobre doenças notificáveis, como a Salmonella, com restrições de exportação para países com alta incidência de Salmonella em aves de corte.”
Análises de metadados, epidemiologia, análise de risco e bioinformática são partes cada vez mais essenciais da segurança alimentar, principalmente à medida em que as cadeias de suprimento de alimentos se tornam mais complexas.
“É vital saber em que ponto cadeia de suprimentos poderá ocorrer problemas como infecção ou contaminação, e por onde pode ser disseminado pelo mercado global. A rastreabilidade é fundamental desde o ponto de origem até o sistema de distribuição para que, uma vez detectado um problema, ele possa ser contido com segurança.”
Mas, para realizar o diagnóstico e a análise, Martin está convicto de que também é necessário que existam programas de teste eficazes.
“É importante que os testes possam ser realizados em tempo real, para que os problemas possam ser detectados no local de ocorrência, e não após o evento. Isso se torna ainda mais importante à medida em que os sistemas de produção de alimentos se intensificam, pois há uma maior probabilidade de um problema se concentrar em um mesmo ponto. Testes de diagnóstico em pré-produção são também necessários para que problemas ambientais possam ser detectados precocemente.”
Isso reforça a importância da epidemiologia e da maneira com que este aspecto da biociência contribuiu para uma cadeia de suprimento de alimentos segura.
“Uma vez sabendo onde estão os produtores e tendo a capacidade de detectar e diagnosticar um problema, é crucial saber como e onde ele se espalhará. Esta é a ciência da epidemiologia. Em muitas partes do mundo, galinhas e porcos vivem dentro e entre as casas, geralmente no quintal ou como parte de uma pequena propriedade. Uma grande preocupação é que são nesses locais que as novas zoonoses podem surgir, por exemplo, com a gripe aviária começando em um quintal. Torna-se importante entender os caminhos migratórios por onde as aves infectadas seguirão e como a infecção pode se espalhar. Mais uma vez, isso geralmente está ligado às mudanças feitas pelo homem no ambiente natural e à redução da diversidade de ambientes naturais, levando doenças para os animais de criação e aos seres humanos”.
O sistema de suprimento de alimentos tem, por anos, analisado os desafios à segurança alimentar e trabalhado com soluções e intervenções. Uma das intervenções mais importantes, na visão de Martin, é simplesmente a biossegurança.
“A biossegurança está bem estabelecida, especialmente nos países desenvolvidos. Existem muitos procedimentos para impedir a propagação de infecções através de uma monocultura de frangos e galinhas, por exemplo. Existem medidas padrões a serem adotadas, como pedilúvios, limitação do número de pessoas nos locais, pisos de concreto ao redor dos barracões, controle de roedores e pombos, programas de limpeza e desinfecção, entre outras. Nos casos de aves domésticas alojadas ao ar livre, é mais difícil controlar a infecção devido ao seu transporte por meio do voo. O gerenciamento da propagação da infecção nas lavouras também é mais difícil, pois esta pode ser transmitida pelo vento.”
Uma das intervenções diretas mais óbvias na criação de animais e aves é a vacinação. Normalmente, no Reino Unido, todos os frangos têm recebido pelo menos sete vacinas. Mas o desenvolvimento de vacinas é extremamente caro e raramente com eficácia de 100% , embora Martin aponte para alguns desenvolvimentos recentes importantes na tecnologia de vacinas.
“O surgimento das novas tecnologias e das técnicas que podem agrupar os componentes relevantes em uma vacina para uma resposta imune protetora é um verdadeiro avanço na ciência moderna. No entanto, precisaremos trazer a opinião pública para o nosso lado, pois historicamente o conceito de biologia sintética tem encontrado resistência entre os consumidores porque é visto como algo não natural. Poderá ser necessária uma pandemia para mudar a opinião das pessoas, mas é provável que elas venham a apoiar uma vacina sintética se ela oferecer imunidade ao Covid-19 “.
A outra intervenção muito utilizada é o uso de antibióticos em animais de criação. Embora sejam utilizados terapeuticamente para tratar doenças, ainda são usados como promotores de crescimento. Felizmente, em muitas partes do mundo, há um número crescente de países onde seu uso é restrito ao tratamento de animais ou aves infectadas. Os consumidores, principalmente nos Estados Unidos e na Europa, estão exigindo a redução de uso e o uso consciente dos antibióticos, influenciados pelo surgimento de superbactérias resistentes que não podem ser combatidas em infecções humanas.
“O conceito de Sempre Sem Antibióticos (SSE) está ganhando força entre os consumidores, embora isso tenha um impacto na lucratividade do produtor. Toda a indústria está tendo de suportar uma perda de produtividade. Isso está levando à necessidade de alternativas aos antibióticos que no passado foram tão eficazes.”
Portanto, agricultores e criadores precisam desesperadamente de soluções alternativas às vacinas e antibióticos para a manutenção do equilíbrio da boa saúde nos animais de criação e das lavouras. Martin compartilha algumas reflexões sobre as opções atualmente disponíveis.
“Além da necessidade da boa biossegurança, outra questão é o que pode e o que não pode ser pulverizado nas lavouras ou fornecido para a alimentado aos animais. Os prebióticos e probióticos estão bem estabelecidos como aditivos para a alimentação animal e, embora ajudem a garantir a saúde dos animais, são incapazes de controlar efetivamente as doenças. Os bacteriófagos, incialmente estudados como uma opção há muitas décadas, são interessantes, mas também levam à seleção de bactérias resistentes. Para superar isso, é necessária uma diversidade extremamente ampla de bacteriófagos, o que limita sua praticabilidade. Existe, atualmente, uma grande procura por abordagens ou tecnologias alternativas que possam contribuir de modo eficaz para a saúde animal ou vegetal e reduzir o risco de infecções. Nossa plataforma Guided Biotics® foi projetada para resolver isso”.
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Um dos desafios associados a qualquer nova tecnologia destinada a combater doenças infecciosas é como fazer com que ela atinja seu objetivo. Martin explica por que isso é importante e por que isso representa uma área de oportunidade para investimentos futuros.
“Grande parte das novas biotecnologias em desenvolvimento em todo o mundo depende de ter um sistema eficaz de segmentação e entrega como parte de sua aplicação. Muitas tecnologias operam em uma pequena janela de oportunidade dentro do ambiente a que se destinam, portanto, a tecnologia deve ser muito eficaz dentro dessa janela ou ter um sistema de entrega muito eficiente. As grandes áreas de oportunidades para o futuro estão, portanto, na biotecnologia associada aos sistemas de entrega, bem como na tecnologia que pode remover seletivamente um patógeno indesejado”.
Martin nos deu muito em que pensar. Os efeitos da monocultura nos sistemas alimentares e da redução mundial da biodiversidade genética podem ser vistos, em nível local, por meio do aumento do risco de doenças infecciosas com as quais todos estamos vivendo hoje. No entanto, a vigilância global de dados e os sistemas de bioinformática existentes permitirão o monitoramento, a análise de risco e precisas análises de modelagem, de modo que, na maioria dos casos, as intervenções apropriadas possam ser implementadas.
Além da biossegurança, as intervenções incluem as vacinas e antibióticos, mas o crescimento da biologia sintética, usando componentes biológicos preexistentes, cria oportunidades para novas tecnologias que podem ser projetadas para serem altamente específicas e direcionadas.
Para enfrentar os desafios sistêmicos da agricultura moderna e continuar produzindo alimentos seguros, é preciso abrir a porta para novas tecnologias. Sem dúvida, a biociência possui a chave.